Artigo baseado no texto "Revisão crítica do papel do pedagogo na atual sociedade brasileira", do livro "Educação e poder" de Moacir Gadotti. A tese apresentada por Gadotti no início do texto diz:
"tese central: a história da educação brasileira é a história da educação
do colonizador.
A pedagogia do colonizador forma gente submissa, obediente ao
autoritarismo."
Os portugueses já se foram (não temos mais colonizadores físicos aqui), mas os moldes de dominação continuam os mesmos, agora ocupados por políticos brasileiros. Autoridades que não desenvolvem realmente as regiões, não investem em emancipação humana, qualidade de vida e dignidade para a população. No poder são muito ricos, e posam de "benfeitores" oferecendo favores, comida, botijões de gás em troca de votos, mantendo uma grande população sob seus domínios como massa de manobra para qualquer assunto que seja. E tais pessoas repetem os discursos dos "governantes benfeitores" sem questioná-los. Por que questionariam? Eles os convenceram que são os únicos a olharem e se preocuparem com as "causas sociais" e problemas dos mais necessitados, e que estão na política para lutarem pelos direitos dos menos favorecidos. Formam-se assim alianças dos opressores disfarçados com os oprimidos atendidos ( principalmente em vésperas de eleições) em suas necessidades básicas. Tais alianças são fortíssimas, fazem parte dos costumes locais, do estilo de vida e da cultura da população. Seria complexo dialogar com este pensamento de Sartre:
"Detesto as vítimas quando elas respeitam os seus carrascos."
(Jean-Paul Sartre)
pois nem sempre as vítimas conseguem se desvenciliar de seus carrascos. Principalmente quando estes apresentam comportamento ambíguo: auxiliam em alguns aspectos e oprimem em outros.
"Há uma pedagogia que reforça o silêncio em que se acham as massas oprimidas e uma pedagogia que tenta dar-lhes a palavra."
(página 57)
Gadotti reflete sobre o papel do pedagogo em uma sociedade assim. Qual seria seu papel? O autor começa a reflexão pela origem do termo:
"Começo minha reflexão dizendo que pedagogia é uma noção inadequada, obsoleta, esdrúxula."
(página 54)
A origem do termo grego remetia ao nome dado ao escravo incumbido de encaminhar a criança à escola. Uma alegoria bonita, mas atualmente muito incompleta. Também faz parte do estudo da Pedagogia a educação de adultos, departamentos pedagógicos de ensino médio, faculdades, escolas de idiomas, cursos em empresas na área de pesquisa e desenvolvimento, coaching. Todas estas áreas vão muito além do ensino infantil apenas.
"Se entendermos educação como conscientização, como prática consciente da pedagogia." (páginas 54, 55)
Também é papel da educação, da pedagogia, conscientizar em tudo que ensina.
"Estamos num momento em que o educador brasileiro precisa pensar na reconstrução da educação brasileira, passo a passo com a reconstrução da própria sociedade brasileira."
(página 56)
Há professores educadores que em escolas, em cursos de inglês e universidades são profissionais éticos e críticos, formadores de seres pensantes. Formam realmente alunos livres para questionar, pensar e entender a História. Há também instituições que se deparam com barreiras do pensamento e a formatação do pensar por não poderem refletir criticamente e livremente a respeito do pensamento dos líderes que lhes dão o pão em troca do voto. E isto cria um dilema, um entrave. Neste tipo de contexto está em jogo a sobrevivência. Pensar livremente pode custar a vida dos pensadores livres e críticos.
"Isso nos mostra o quanto a educação, como sistema, é um sistema dependente do sistema econômico; ele é um subsistema que dentro de uma sociedade de classes, exerce um papel ideológico, o de ocultar o projeto social e econômico da classe dominante, além de reproduzir a divisão dessa sociedade de classes.
Desta forma, o pedagogo, o educador, ao repensar a educação, está também repensando a sociedade." (página 57)
Os educadores não devem apenas alfabetizar, mas dedicar muitos anos escolares à compreensão de textos, matéria esta vital. Aliada à produção de textos produz alunos pensantes e reflexivos, e o ideal é que sejam capazes de compreender ainda além, que possam perceber o viés de cada texto, cada discurso. Uma escola assim forma cidadãos pensantes, conscientes, críticos e difíceis de serem manipulados como massa de manobra por líderes oportunistas (sejam eles portugueses ou brasileiros).
"Podemos dizer que, nos extremos (formas caricaturais de educação), existem dois tipos de educação. Utilizando a expressão de Paulo Freire, eu diria que existe uma educação da reprodução da sociedade, que seria uma educação como prática da domesticação e, no outro extremo, uma educação da transformação, que seria uma educação como prática da libertação." (página 60)
Para além do livro "Educação e poder", Moacir Gadotti diz:
"A educação é o maior entrave do desenvolvimento brasileiro".
A questão é que a própria educação se depara com muitas barreiras. Para ser livre para pensar é necessário não depender de favores do sistema.
"Se a educação reproduz uma sociedade, não pode transformar o que reproduz. Em outros termos, a educação não pode transformar o que a mantém..."
(página 60)
Eis o entrave da educação, e não só da brasileira. Se pensamos na pirâmide de Maslow, os fatores que garantem a sobrevivência tem prioridade: A base da pirâmide - a manutenção da fisiologia humana - é o cenário da exploração e da crise de valores constante na História da humanidade. Regiões nas quais as pessoas estão buscando suprir suas necessidades básicas são infelizmente terreno fértil para manipulação e exploração moral e sexual. E há muitos que lutam para essa manutenção do status quo, pois muitas pessoas veem muitas vantagens em explorar a opinião, o pensamento e o corpo de tantas pessoas. Assim, essas regiões lutam contra barreiras invisíveis gigantescas.
"... o trabalho crítico não consiste apenas em denunciar a domesticação, a seletividade, a injustiça salarial, mas consiste igualmente em pesquisar e apontar reais soluções."
(página 63)
E a escola nessas regiões? E os educadores? Se encontram, no mínimo, em uma situação delicada. "Quando falo de uma 'educação contra a educação', entendo exatamente isso: a educação é um espaço de luta entre várias tendências e grupos, um espaço que nenhuma ideologia pode dominar inteiramente."
(página 63) A escola, onde estiver inserida, pode sempre ensinar a refletir, a pensar, e capacitar que cada aluno ao menos enxergue com discernimento e entendimento.
"Não basta saber ler que 'Eva viu a uva'. preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho."
(Paulo Freire, "Educação na Cidade")
A escola pode ser um lugar onde as pessoas aprendem a não reproduzir a opressão por mero bel prazer:
"Anima-te por teres de suportar as injustiças; a verdadeira desgraça consiste em cometê- las." (Pitágoras)
"Quem comete uma injustiça é sempre mais infeliz que o injustiçado." (Platão)
A escola pode ser um lugar onde as pessoas são ensinadas a se respeitarem, ainda que ao saírem de seus muros o cenário seja violento.
"O auto-respeito é a raiz da disciplina; a noção de
dignidade cresce com a habilidade de dizer não a si mesmo." (Abraham Lincoln)
A escola pode ensinar o que é ter e cultivar uma saudável e real esperança:
"Não espere por uma crise para descobrir o que é importante em sua vida." (Platão)
"O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso."
(Ariano Suassuna)
Ao celebrar o dia da família (ou dia das mães, dos pais, dos avós) a escola celebra com cada criança quem elas tem de importante na vida. Uma criança que tem respeito pelos pais ( ainda que discorde deles e de seus estilos de vida) será um adulto bem educado também com os outros. Essa é parte da educação que falta muito em nossas sociedades. A escola pode ensinar o gosto pela leitura e assim incentivar que os jovens busquem um caminho que não seja da prostituição e do crime. Muitas vezes só na escola o jovem vai ouvir isso, porque lá fora vender o corpo ou drogas pode ser considerado normal, cotidiano, a realidade existente.
"Quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável." (Sêneca)
"Você pode me dizer, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
Isso depende muito de para onde você quer ir - respondeu o gato.
Preocupa - me pouco aonde ir - disse Alice.
Neste caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato."
(Lewis Carrol)
"Os ideais que iluminaram meu caminho são a bondade, a beleza e a verdade." (Albert Einstein)
"Cada homem deve inventar seu caminho." (Sartre)
"O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós." (Sartre)
Que o papel do pedagogo e da escola seja sempre o da construção, ensinando cada aluno a se auto-lapidar, como um carvão sob pressão que se transforma em uma pedra bruta e então em diamante.
Bibliografia:
Gadotti, Moacir; "Educação e poder"
Maslow, Abraham; "A hierarquia das necessidades humanas"
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